domingo, 23 de fevereiro de 2014
É carnaval
De todos os males que me atravancam, eu escolhi você. Te escolho simplesmente, pois sou bicho declarado, porque já era em mim qualquer rastro de coisa humana. Coisifico-me, portanto, na esperança de um respirar sem dor; sou coisa, não gente. Assumo meu novo formato e passo a ansiar pelo o que me é totalmente novo, único, inusitado: quero parar de sentir. Que meus pedaços que já não prestam (e são tantos) soltem-se de mim de uma vez por todas, por favor, que descamem como pele morta. Não me é mais útil, não quero mais. Que eu possa fazer com que as coisas simples da vida sejam, de fato, simples. Esperar que do sol eu me queime, que da chuva, eu me molhe. Nada além disso. De surpreendente, apenas meu novo eu, que já não surpreenderá, não a mim. Ponho para fora, por fim, todas as palavras que me disseram com carinho. Não suporto nem mesmo isso. As palavras escoam depressa para algum lugar profundo, ao qual não tenho acesso. E de tão inacessível, eu assino a rendição e entendo que o que dos outros é proferido provoca em mim efeito mínimo. Quase nenhum. Eu escolhi você e era eu a deficiente. Duas pessoas de fardos tão pesados nunca caberiam no mesmo espaço. Se para as outras pessoas minha dor soaria insignificante, para mim é importante, pois agora acho que sei até onde sou capaz e não gostei do que descobri. E enquanto você flerta com o que há de inteiriço no mundo ou o que não há, eu escolho parar de sentir, finalmente. Sou bicho torto, ajo torto, mas não tenho tristeza. Procuro a nitidez dos recomeços, mas parece que a perdi pelo caminho. E de tanto desejar leveza, ganhei um peso insuportável. Sei que tenho a vida pela frente, mas não faço ideia de qual será o próximo passo. Talvez, como num susto imenso que me roubará o ar dos pulmões, eu me torne amiga da sua ausência e possa sair com ela, para tomar um milk-shake, coisa boba. Que conversemos amenidades, que possamos rir de qualquer coisa. Eu e a sua ausência seremos grandes amigas e, se um dia eu quiser ir embora, eu vou sem culpa. Era ausência, não presença.
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Me arrepiei, de novo! Mt bom, amiga :)
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