quinta-feira, 18 de julho de 2013

O pior silêncio é aquele que fala

Poucas vezes na vida ela havia ficado sem palavras. Quando criança, era a atração principal dos jantares nos quais estava presente. Os pais organizavam com frequência reuniões no apartamento e no momento em que a sala começava a ficar inundada de adultos sérios e engravatados, ela punha seu vestido mais florido, ia para frente do espelho e por minutos ficava a pentear os cabelos com a ponta dos dedos. Quando por fim chegava à sala e disparava a falar, os adultos todos se entreolhavam admirados "essa menina tem resposta pra tudo".

Quando cresceu, não foi diferente. Não que possuísse uma autoestima minimamente invejável à maioria dos adolescentes, nem que tivesse uma visão mais nítida de futuro. Suas pretensões do que viria pela frente eram tão embaçadas quanto a de qualquer outra pessoa da sua idade e a vontade que sentia de ser livre e bem-sucedida, de nada era condizente com o medo que tinha de crescer. Em alguns momentos, apenas queria ser a menina de vestido florido, de novo, correndo por entre as pernas dos convidados e se entregando com força no colo dos pais. Mas disso, quase ninguém sabia. O que era, de fato, do conhecimento de quase todos que com ela conviviam, era que aquela menina tinha semblante de mulher. Era dona de um ar altivo, olhos um pouco tristes, e uma vontade incessante de se posicionar diante de quase todos os assuntos e situações. As palavras escapavam, simples assim.

Quando ele ligou o motor do carro, ela teve uma sensação estranha. E, por mais que existisse nela certa disposição para tentar alcançá-lo, ela continuou parada. Parada e muda. Por dentro, o grito mais alto e ainda sim sem som algum. Um grito que havia se tornado a mistura homogênea de sentimentos distintos e difusos, que imploravam amor e atenção, ao mesmo tempo que despertavam nela a vontade de esquecê-lo de uma vez por todas.

Ela nunca teve habilidade para lidar com distâncias. A que existia entre ela e as pessoas que mais amava, a distância entre a casa e a escola, entre o que era e o que transmitia aos outros. A distância entre seus olhos, que tanto a incomodava, e a distância mínima e insuportável de tanta gente que a irritava, profundamente. Mas de todas as distâncias que já sentiu, nada era como a do carro se afastando. Aquela distância que aumentava na medida em que ela permanecia inerte, e que era a mesma distância que a destruía por dentro.

Às vezes os dois compartilhavam o que sonhavam à noite. Ele sempre tinha interpretações fabulosas sobre os sonhos dela, que ela gostava de ouvir, mesmo que achasse que não tinham muito a ver. Enquanto ele falava, ela não tinha vontade de dizer uma palavra. Ela era exatamente o que era, e o que sempre quis ser. E ele era simplesmente quem ela gostaria que ele fosse.

No fundo, o silêncio era algo de que ela gostava. Por mais que antes não fosse assim, ainda que no início não tolerasse de forma alguma o espaço mudo, desejando ocupá-lo de todas as maneiras. Com o tempo, a coisa mudou. E de todos os momentos que passava ao lado dele, ela tinha uma predileção secreta pelo os que passavam em silêncio. O silêncio calmo e tranquilo da cumplicidade.

Ela não sabia dizer exatamente o momento em que o trem havia descarrilhado. Sabia que o silêncio já não era mais o mesmo, e isso a deixava aflita. Procurava insistentemente formas de preenchê-lo, mas já não conseguia. Tentava em vão balbuciar algumas palavras, na esperança de diminuir o desconforto, mas aquele era, de fato, o silêncio mais insuportável. Quis voltar no tempo, tentar fazer diferente. Mas o tempo não volta, tampouco o carro que continuava a se afastar, até sumir.