Meu olhar fixo não tem a menor chance com a tua cegueira. Minha cara de pau não tem a menor chance com a tua cara de cu. Meus cabelos soltos não têm a menor chance com teu rabo preso tampouco meus dedos hiperativos com as tuas mãos inertes (e como são). E minha suposta repulsa com a tua indiferença? E meu descontrole com teu ar blasé? Chance nenhuma. Meu mau humor não tem a menor chance com a tua satisfação profissional (eu diria que até pessoal) nem meus apelos com teu sono de velho caquético. Meu uísque das três da madrugada não tem a menor chance com teu sono profundo nem meus pesadelos das três da tarde com o teu recalque onírico. Meu caos pessoal não tem chance cm teu apartamento bem decorado minha veia dramática não tem a menor chance com o calor infernal da cidade em que pisas. O enorme trago de fumaça que jogo para dentro dos pulmões não tem a menor chance com a tua saúde frágil nem com a tua água (sempre) gasosa. Meus dezenove anos (ingênuos) não têm a menor chance com o teu passado ou presente nem minha pontuação preguiçosa com a bosta do teu português impecável.
Um dia eu vou acordar e vou ter recebido alta de mim mesma e vou sair vagando por aí, curada das minhas maluquices, satisfeita por ter reavido a consciência e cicatrizada de tudo aquilo que me feriu um dia.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
quinta-feira, 18 de julho de 2013
O pior silêncio é aquele que fala
Poucas vezes na vida ela havia ficado sem palavras. Quando criança, era a atração principal dos jantares nos quais estava presente. Os pais organizavam com frequência reuniões no apartamento e no momento em que a sala começava a ficar inundada de adultos sérios e engravatados, ela punha seu vestido mais florido, ia para frente do espelho e por minutos ficava a pentear os cabelos com a ponta dos dedos. Quando por fim chegava à sala e disparava a falar, os adultos todos se entreolhavam admirados "essa menina tem resposta pra tudo".
Quando cresceu, não foi diferente. Não que possuísse uma autoestima minimamente invejável à maioria dos adolescentes, nem que tivesse uma visão mais nítida de futuro. Suas pretensões do que viria pela frente eram tão embaçadas quanto a de qualquer outra pessoa da sua idade e a vontade que sentia de ser livre e bem-sucedida, de nada era condizente com o medo que tinha de crescer. Em alguns momentos, apenas queria ser a menina de vestido florido, de novo, correndo por entre as pernas dos convidados e se entregando com força no colo dos pais. Mas disso, quase ninguém sabia. O que era, de fato, do conhecimento de quase todos que com ela conviviam, era que aquela menina tinha semblante de mulher. Era dona de um ar altivo, olhos um pouco tristes, e uma vontade incessante de se posicionar diante de quase todos os assuntos e situações. As palavras escapavam, simples assim.
Quando ele ligou o motor do carro, ela teve uma sensação estranha. E, por mais que existisse nela certa disposição para tentar alcançá-lo, ela continuou parada. Parada e muda. Por dentro, o grito mais alto e ainda sim sem som algum. Um grito que havia se tornado a mistura homogênea de sentimentos distintos e difusos, que imploravam amor e atenção, ao mesmo tempo que despertavam nela a vontade de esquecê-lo de uma vez por todas.
Ela nunca teve habilidade para lidar com distâncias. A que existia entre ela e as pessoas que mais amava, a distância entre a casa e a escola, entre o que era e o que transmitia aos outros. A distância entre seus olhos, que tanto a incomodava, e a distância mínima e insuportável de tanta gente que a irritava, profundamente. Mas de todas as distâncias que já sentiu, nada era como a do carro se afastando. Aquela distância que aumentava na medida em que ela permanecia inerte, e que era a mesma distância que a destruía por dentro.
Às vezes os dois compartilhavam o que sonhavam à noite. Ele sempre tinha interpretações fabulosas sobre os sonhos dela, que ela gostava de ouvir, mesmo que achasse que não tinham muito a ver. Enquanto ele falava, ela não tinha vontade de dizer uma palavra. Ela era exatamente o que era, e o que sempre quis ser. E ele era simplesmente quem ela gostaria que ele fosse.
No fundo, o silêncio era algo de que ela gostava. Por mais que antes não fosse assim, ainda que no início não tolerasse de forma alguma o espaço mudo, desejando ocupá-lo de todas as maneiras. Com o tempo, a coisa mudou. E de todos os momentos que passava ao lado dele, ela tinha uma predileção secreta pelo os que passavam em silêncio. O silêncio calmo e tranquilo da cumplicidade.
Ela não sabia dizer exatamente o momento em que o trem havia descarrilhado. Sabia que o silêncio já não era mais o mesmo, e isso a deixava aflita. Procurava insistentemente formas de preenchê-lo, mas já não conseguia. Tentava em vão balbuciar algumas palavras, na esperança de diminuir o desconforto, mas aquele era, de fato, o silêncio mais insuportável. Quis voltar no tempo, tentar fazer diferente. Mas o tempo não volta, tampouco o carro que continuava a se afastar, até sumir.
Quando cresceu, não foi diferente. Não que possuísse uma autoestima minimamente invejável à maioria dos adolescentes, nem que tivesse uma visão mais nítida de futuro. Suas pretensões do que viria pela frente eram tão embaçadas quanto a de qualquer outra pessoa da sua idade e a vontade que sentia de ser livre e bem-sucedida, de nada era condizente com o medo que tinha de crescer. Em alguns momentos, apenas queria ser a menina de vestido florido, de novo, correndo por entre as pernas dos convidados e se entregando com força no colo dos pais. Mas disso, quase ninguém sabia. O que era, de fato, do conhecimento de quase todos que com ela conviviam, era que aquela menina tinha semblante de mulher. Era dona de um ar altivo, olhos um pouco tristes, e uma vontade incessante de se posicionar diante de quase todos os assuntos e situações. As palavras escapavam, simples assim.
Quando ele ligou o motor do carro, ela teve uma sensação estranha. E, por mais que existisse nela certa disposição para tentar alcançá-lo, ela continuou parada. Parada e muda. Por dentro, o grito mais alto e ainda sim sem som algum. Um grito que havia se tornado a mistura homogênea de sentimentos distintos e difusos, que imploravam amor e atenção, ao mesmo tempo que despertavam nela a vontade de esquecê-lo de uma vez por todas.
Ela nunca teve habilidade para lidar com distâncias. A que existia entre ela e as pessoas que mais amava, a distância entre a casa e a escola, entre o que era e o que transmitia aos outros. A distância entre seus olhos, que tanto a incomodava, e a distância mínima e insuportável de tanta gente que a irritava, profundamente. Mas de todas as distâncias que já sentiu, nada era como a do carro se afastando. Aquela distância que aumentava na medida em que ela permanecia inerte, e que era a mesma distância que a destruía por dentro.
Às vezes os dois compartilhavam o que sonhavam à noite. Ele sempre tinha interpretações fabulosas sobre os sonhos dela, que ela gostava de ouvir, mesmo que achasse que não tinham muito a ver. Enquanto ele falava, ela não tinha vontade de dizer uma palavra. Ela era exatamente o que era, e o que sempre quis ser. E ele era simplesmente quem ela gostaria que ele fosse.
No fundo, o silêncio era algo de que ela gostava. Por mais que antes não fosse assim, ainda que no início não tolerasse de forma alguma o espaço mudo, desejando ocupá-lo de todas as maneiras. Com o tempo, a coisa mudou. E de todos os momentos que passava ao lado dele, ela tinha uma predileção secreta pelo os que passavam em silêncio. O silêncio calmo e tranquilo da cumplicidade.
Ela não sabia dizer exatamente o momento em que o trem havia descarrilhado. Sabia que o silêncio já não era mais o mesmo, e isso a deixava aflita. Procurava insistentemente formas de preenchê-lo, mas já não conseguia. Tentava em vão balbuciar algumas palavras, na esperança de diminuir o desconforto, mas aquele era, de fato, o silêncio mais insuportável. Quis voltar no tempo, tentar fazer diferente. Mas o tempo não volta, tampouco o carro que continuava a se afastar, até sumir.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Juntando cacos
De tudo restou apenas isto: caixas com lembranças antigas, organizadas em uma ordem cronológica confusa, que ela passara a madrugada recordando sem nenhuma lágrima, folheando tudo que parecia vazio de sentido, mas repleto de sentimento. Sentiu-se paralisada por dúvidas, tomada por uma inconstância que extravasava todos os seus limites. Estava ela à margem do que entendia por si e que se dissolvia em doses densas, naquele universo que era desempacotado, aos poucos, com raiva e com zelo, medo e abnegação. Queria tacar no ventilador as recordações, tão particulares que desejava esquecer, as coisas que disseram em segredo, a pretensão idiota de quem ainda é cru diante do mundo, tudo, ela quis lançar para quem quisesse ver, fazendo acreditar que nada mais lhe era importante, já que estava escancarado. Apertou os olhos com força, tentando buscar na memória algum sentimento bom, mas não conseguiu. Vestiu então o moletom velho e furado que pertencera a ele, esperando que aquecesse, mas só lhe trouxe mais frio. Parecia inacreditável que uma roupa tão fedorenta já lhe tivesse sido uma espécie de refúgio, pedaço de um carinho diferente, capaz de protegê-la quase sempre, mas que se transformara numa peça causadora de náuseas, simplesmente. Abriu a janela com calma, reparou no silêncio da rua; quase nada parecia vivo, de nenhum dos lados. Por alguns segundos, diante da vida que corre sempre e sempre mais, pensou o que faria da sua, que naquele momento se apresentava de uma forma diferente, afinal sentia como se os pais, os primos, vizinhos e conhecidos, todos, estivessem sempre lhe fazendo essa pergunta. Sentiu-se desesperada por medo, um medo insano de não conseguir realizar mais nada sem companhia, despertando dependência justo nela, que passou a vida tentando provar ser alguém desapegado. O telefone que tocava parecia comunicar que o dia já havia começado o suficiente para que alguém pensasse nela. Atendera em um falso tom esfuziante que causara espanto em quem falava do outro lado. Quando lhe perguntaram como havia passado nos últimos tempos, sentiu-se estranha, como se aquilo fosse mais que uma pergunta habitual. Então teve vontade de chorar, subitamente. Ela, na verdade, nunca entendera esse momento, não tinha até então derramado uma lágrima, nem sentido vontade, mas com uma simples pergunta sentiu-se no ímpeto, quase aconteceu, teve que se controlar com ordens duras como "não se deixe abalar. Não aqui, não nesse momento". Desligou o telefone e foi escovar os dentes, sentindo um prazer prolongado em escovar um por um.
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